segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Apostila - Teoria Básica de Vela

Boas!

Por conta do curso de vela me senti forçado a preparar um material escrito com a teoria básica da arte de velejar. O projeto é dividido em três etapas: Teoria básica de vela; Teoria básica de navegação e Teoria básica de comunicações, regulagens de velas e outros procedimentos especiais. A primeira parte já está pronta e decidi colocar à disposição dos interessados, até porque muitas pessoas moram longe e não tem condições de vir fazer o curso conosco. Assim, por uma quantia simbólica, apenas R$ 25,00 (vinte e cinco reais), o interessado receberá a obra por e-mail (arquivo PDF)  e ainda ajudará uma família pobre: a minha!

Dirigido para leigos e iniciantes, o texto é rico em ilustrações, é redigido em linguagem simples e não tem a pretensão de esgotar o assunto.       

 Os seguintes conteúdos são abordados:

 índice

 1. Partes de um veleiro, p. 05
1.1 Obras vivas e obras mortas, p. 05
1.2 Limites perimetrais, p.  07
1.3. Aparelho de governo, p. 10
1.4. Velame, p. 13
         1.4.1 As velas, p. 14
                   1.4.1.1 A vela mestra, p. 17
                   1.4.1.2 As velas de proa, p. 19
                   1.4.1.3 Velas especiais para ventos fracos e folgados, p. 23
1.4.2 A  mastreação e o estaiamento, p. 26
1.4.3 O poleame, p. 29
1.5. Aparelho de fundeio, p. 33
2. A água, o vento e o veleiro: a interação que gera movimento, p. 37
3. Nós, p. 35
4. Montagem do veleiro, preparação para velejar, p. 38.
5. Manobras básicas, p. 42
         5.1 Barlavento e sotavento, p. 45
         5.2 Orçar e arribar, p. 48
5.3 Mareações, p. 51
         5.3.1 Orça, p. 52
5.3.1.1 Dar o bordo, p. 52
5.3.1.2 Virar em roda ou jaibe, p. 54
                   5.3.2 Través, p. 55
                   5.3.3 Popa, p. 56
         5.4 Fundeio, p. 57
         5.5 Atracação em poitas, p. 59
 6. RIPEAM, p. 61
         6.1 Roda a Roda – rumos opostos, p. 61
         6.2 Rumos cruzados, p. 61
         6.3 ULtrapassagens, p. 62
         6.4 Preferências, p. 62
6.4.1 Preferências entre veleiros, p. 62

 anexo i – homem ao mar – mob – técnicas de abordagem, p. 66
 anexo II – Regulagens e Manutenção, p. 68

 Peça já a sua: CUSCOBALDOSO@GMAIL.COM

 E vamos no pano mesmo!






quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Meia travessia?!

Boas!

Eu já disse aqui que quando tem que ser, é. Dessa vez é hora de reconhecer o oposto: quando não tem que ser, não é. E isso não é necessariamente uma coisa ruim, depende apenas de como vemos as coisas.

Deixei Santos na última quinta-feira, 17, com destino à Paraty. O objetivo era trazer o Malagô para o Guarujá. Fui de ônibus e no Terminal do Tietê encontrei o primeiro personagem dessa epopéia náutica, o Ivan Rodrigues. No caminho já recebemos o primeiro senão: a Rodovia dos Tamoios estava em obras e o ônibus ficaria parado na estrada nada menos do que quatro horas! Assim, ao invés de chegarmos em Paraty no meio da madrugada, como esperávamos, chegamos no começo da manhã. 

Pouco depois de abrirmos o barco para ventilar - mas que cheiro ruim estava ali! - o segundo integrante chegou: o Ricardo Stark, "o forte". Providenciamos a limpeza do fundo, mercado, água e começamos a preparar o barco, que finalmente ganhou um bimini!

O plano era sairmos de Paraty na madrugada do dia 19, mas como eu não sabia se o André Scalon - o terceiro e último elemento - também ficaria preso na Tamoios (certeza nenhuma autoridade competente dava), adiei a saída para o domingo, 20. Isso me deixou um pouco receoso, pois a previsão não indicava a entrada de nenhuma frente, mas ainda para o domingo estava previsto um SW fraco - que eu bem sei que vira forte em questão de minutos, além de ser vento bem no nariz. Por sorte ninguém tinha (ainda) compromissos em terra (razão principal de eu ter escolhido essa tripulação) e tempo não era problema. Como me disseram no facebook, barcos não combinam com agendas. É verdade e eu peço desculpas com quem se chateou - essa condição era essencial. 

Ivan Rodrigues e Andre Scalon.

Minha estratégia para cruzar a Juatinga é sempre a mesma: passar de manhã, bem cedinho, enquanto não há vento e, por consequência, ondas. Eu confesso, sem vergonha alguma, que não gosto de passar ali. Pode ser por conta do clima de Cabo Horn que a literatura náutica brasileira lhe atribui e que muitos acreditam ser injustificado. Mas o fato é que eu passo, mas não gosto.

O André chegou no horário previsto, mas ao invés de zarpamos, fomos dormir.

Aproveitei que a saída foi adiada e pus um "plano" antigo para ganhar tempo: ao invés de sairmos da marina ou da Ilha da Cotia, como da última vez, velejamos bastante pela baia (aproveitando para "adestrar" o Ivan e o André, completamente novatos) e depois rumamos para a Praia Grande da Cajaíba, bem próxima à Juatinga. Nessa avançamos quinze milhas, praticamente sem gastar diesel algum.

O Velho Mala em Cajaiba...
Curtimos o lugar, que é bem bonito. Durante a noite entrou um SW fraquinho, mas contínuo e insistente. Saímos as 06h40 e eu  ainda não sabia se avançaríamos. às 07h15 estávamos no través da Juatinga (ou "- Daquela pedra ali", como o Ivan a definiu, sem saber da má fama do lugar). 

Ricardo Stark em momento de introspecção! 


Passamos lambendo o costão, tão perto que dava até para encostar. Estava particularmente curioso para ver o que havia "dobrando a esquina". Rumo sul, velocidade cinco nós. Na direção de Ubatuba uma visão especial: no continente, um sol promissor se abrindo; ao fundo, no mar, um trem de nuvens de chuva, bem carregadas, distribuindo muita água a intervalos regulares. Entre as nuvens e a costa, um "caminho bem pavimentado", principalmente se você for um jipe! Era por ali. Mantive o rumo sul (verdadeiro) por meia hora. A velocidade caiu para quatro nós. Nos afastamos duas milhas e então eu guinei para boreste. Começava a travessia. 

Afastando da Ponta da Juatinga.
O motivo da má fama da região é que por cerca de sete milhas não há praias, mas apenas um costão rochoso. Com mar de sul as ondas vem, batem nas pedras e voltam, provocando um mar caótico. Nesse dia a coisa estava diferente. O mar, com ondas de até dois metros em alguns trechos, vinha com o vento, de SW e as ondas não batiam no paredão: seguiam para a Ilha Grande.

Eu sempre observo o que os pescadores fazem nessas horas e vi um fazendo o que eu faria nos tempos do caiaque: para fugir da força da maré contrária, ir colado no paredão. Mas dessa vez optei pelo caminho escolhido - afastado duas milhas da costa - e assim fomos até a Ilha Anchieta. Navegamos cerca de cinquenta milhas em dez horas e vinte minutos. Um pouco no motor, outro tanto só de genoa - quando o vento rondou para sul.  Gastamos menos de vinte litros de diesel. Balançamos muito, mas ninguém enjoou. Tudo perfeito.

Ancoramos na Ilha Anchieta e lá dormimos. Antes, descemos para conhecer a Ilha - que vale a visita - e o Ivan voltou a  dar banho no camarão de plástico, digo, a pescar - hábito que adquiriu na Cajaíba. E não é que ele pegou um vermelho? Mas o mestre cuca - caramba, como esse rapaz cozinha bem! - tem um coração grande e devolveu o "bichinho" para a água!

Foto de calendário...

Andre e Juca.

Sr. Vermelho, em dia de sorte.
No dia seguinte pela manhã apoitamos na criação de mariscos do Cesar, digo, na poita que o Cesar tem no Saco da Ribeira e esperamos. Muita chuva e pouca visibilidade. Fomos ao mercado e reabastecemos, pois a coisa estava feia e aquele peixinho já soava apetitoso até para o Ivan.

A chuva ia e voltava, e a visibilidade seguia com ela. Nisso os celulares começaram a tocar. Problemas de terra firme começaram a vir a bordo. As agendas começavam a aparecer. Eu sonhava que perdia audiências, prazos, um horror. O clima estava ótimo, em especial pois todos tinham sempre boas histórias para contar e a comida estava um espetáculo! Era preciso que a coisa continuasse assim.

Graças ao Ivan a comida foi sempre muito, muito boa!
No dia seguinte saímos as sete da manhã, com a mestra toda em cima, mas não vimos nada. Avancei até a Ilha do Mar Virado (que eu não via, apenas cria que estava ali) e de lá via-se menos ainda. Onde estava a Ilhabela, nosso destino? Não sei. Dei meia volta e ancoramos na Anchieta, de novo. Até a Capela seriam menos de cinco horas de navegação e daria para esperar. 

Enquanto isso o André e o Ivan prepararam o bolo de aniversário do Imediato Ricardo Stark, que no dia 22 completou 51 anos! Procurei bexigas e chapeuzinhos da festa da Alice, mas não achei... só pude, então, colocar uma lanterna no lugar da velinha e a festa estava armada! Foi bem legal e o grandalhão ficou com os olhos marejados. Poucas coisas nos deixam tão felizes quanto ver um amigo feliz. Se o Cusco Baldoso era o barco dos casais, o Malagô tem se revelado o barco dos aniversários. Dia 13/02 tem nova festa: o aniversário da Priscila e todos estão desde já convidados!


Esse tempo a mais que passamos em Ubatuba foi muito bom para mim. Eu sempre passei reto por ali, seja de carro, seja de barco. Sempre me dizia que eu estava perdendo algo muito bom. Levantamos a âncora e seguimos de volta para a poita. Não seguiríamos mais naquele dia. No caminho comecei a expor meus planos para a tripulação. Estava muito difícil ir embora dali e, em geral, quando isso acontece em minha vida há um significado. Nisso o sol apareceu e golfinhos também...

Voltamos para a poita. Dispensei quem tivesse que ir embora e todos foram. Fiquei eu, então, sozinho, pondo em ordem coisas no barco que estava adiando há algum tempo e pensando, pensando e pensando. Conversei muito com o Mala, que é um bom ouvinte e tem mais experiência que eu. "- Difícil será convencer a Priscila", ponderou ele com sua voz rouca, um tanto cavernosa. "- Calma, primeiro a gente mostra esse lugar para ela e depois conta!" - retruquei. Ele ficou em silêncio...

Fui embora para Santos no dia seguinte, dono de uma poita no Saco Ribeira, sócio da AUMAR  e vizinho do Walnei.

E vamos no pano mesmo!


Em tempo: apesar do aparente não êxito de nossa travessia, já que não chegamos ao destino esperado, ela não foi nem de longe um fracasso. Tenho absoluta certeza de que eu, o André (que rapaz bacana!), o Ivan (esse eu não vou elogiar pois foi o "chama chuva"!) e o Ricardo criamos e reforçamos laços de amizade. Além disso, vimos cenas muito belas, que só quem está no mar pode ver. Fomos donos de nosso tempo e o vivemos. Pude mostrar, para eles, como é a vida de um cruzeirista, com sua beleza e rudeza, sem maquiagens e pirotecnias. E isso tudo é muito maior do que barcos, travessias, milhas e recordes. Meio cheio ou meio vazio? É com vc!

Ah, ainda em tempo: e não é que eu passei naquela provinha difícil que só? Pois é, agora sou Capitão Amador! Eu continuo não ligando para essas bobagens (o mar não tolera impostores, mesmo os de carteirinha!)!, mas não ter que fazer tantas contas de novo é um grande alívio!





quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Ano novo, vida nova e fim da viagem !

29 de dezembro de 2012. Fomos passear de jipe pela zona rural de Paraty, com suas estradinhas de terra e cachoeiras. Aliás, cabe aqui comentar que a cidade anda muito diferente, não necessariamente para a melhor. Os preços, que nunca foram dos mais amistosos, subiram demais e encontram discrepâncias inexplicáveis. Eu consegui, em menos de uma hora pagar R$ 2,50, depois R$ 3,00 e depois R$ 3,80 por uma simples latinha de coca-cola e em uma mesma avenida! Fora o a água de coco a R$ 6,00 a unidade que faria meu sogro gauchão puxar a faca da bota e matar um vivente! Além disso outra coisa nos incomodou. Ao mesmo passo que quase todas as lojas têm vagas de emprego, e deixam isso bem claro - as pousadas também - pela primeira vez vimos flanelinhas (nas imediações de Multimarket) e desocupados (mas com aquele jeitão de bandido) parados em algumas esquinas, esperando-se sabe-se lá pelo quê (mas não pareciam estar em fila de emprego). Não gostamos disso, pois até outro dia Paraty era bem mais tranquila. Enfim...

30 de dezembro de 2012. E por falar em vagabundos, mas de outro tipo - fomos justamente conhecer a tal prainha dos vagabundos, que fica logo ali, do lado da Marina do Engenho. Lá conhecemos o dono do Veleiro Atlantis, um arpège 30 azul que está há seis meses ancorado por lá, sem pagar marina nem pensão alimentícia para a ex (isso em tese, ok?). Dei até umas dicas para evitar a penhora das contas (em tese) e uma carona no botinho da praia até o barco. Na prainha, uma tanto suja, tem uma mangueira cuja água é bem boa (o Senhorzinho que mora no Atlantis está bebendo dela há seis meses e não morreu!), um tanque para lavar roupas e uma roça de feijão. Até falei para a Priscila: "- O que mais a gente quer para ser feliz?" Mas não colou... As meninas dormiram no final da tarde e aproveitamos para ir VELEJAR! Depois de muitos bordos para cá e para lá, vi lá longe um botinho muito parecido com o nosso. Tão parecido que ERA o nosso, que nem nosso era: o Cesar nos emprestou. Lá fomos nós treinar manobras de homem ao mar... deu certo.

Na volta para a marina, um DESASTRE! Consegui colocar o barco na vaga para abastecermos de água. Mas durante a manobra meus óculos caíram na água. E eu não vejo nada sem eles. Na verdade, brinco que sou um compêndio de oftalmologia: hipermetropia em um olho, miopia no outro, um estrabismo operado quatrocentas vezes e um belo astigmatismo. Sem óculos eu não sou ninguém e, mais do que isso, não vejo ninguém.Nem nada, a não ser de muito perto.

Bateu o desespero. As meninas nessa hora foram muito bacanas e compreensivas comigo (e com os vários tombos que eu levei dentro do barco) e eu agradeço muito à Pri e à Brida. Ela foram meus olhos e me guiaram para colocar, no escuro da noite, o barco de volta na poita (pois a ajuda do pessoal  da marina nessa hora foi pífia e a gente resolveu entre a gente mesmo). Traçamos mil planos e estratégias, pois sem óculos eu não posso dirigir e a Pri está com a habilitação em Lins (local incerto e não sabido). De barco também era complicado, em especial se houvesse necessidade de navegarmos a noite. Fui dormir muito preocupado.

31 de dezembro de 2012. Acordamos cedo e formos ao centro, em busca de uma ótica. Mais do que isso, se uma ótica aberta! Encontramos! A Cristal, perto da rodoviária.  Entramos contando uma triste história, mas mesmo com a maior boa vontade da dona minhas lentes são meio chatinhas de fazer e ela só conseguiria um óculos para mim no sábado! Gelei.Sábado eu já queria estar em casa.

Talvez comovida com nosso drama humano (rs), ela me convenceu a tentar usar lentes de contato. Resumindo muito uma história longa, sai da loja muito agradecido, com uma lente em apenas um olho, corrigindo 2,25 graus de miopia e enxergando bem o suficiente para fazer navegar e dirigir. Mas de preferência de dia!

Ficamos um pouco pela marina e comecei a trabalhar na derrota para a volta ao lar. Sairíamos dia 01 de janeiro para o o Pouso da Cajaíba e de lá, no dia, para casa. A Pri gosta d ver os fogos, então achei legal ficar em frente a cidade. Mas a ancoragem não estava lá essas coisas e resolvi tocar para a Ilha da Bexiga, onde rolava uma festa muito animada em uma escuna enorme que vive eternamente ancorada por lá. Algumas lanchas e alguns veleiros também foram para lá. Fizemos churrasco e esperamos o ano novo.

Só que... no barco a gente realmente inverte alguns hábitos. Acordamos muito cedo para nossos padrões e dormimos muito mais cedo do que estamos acostumados. Então, às dez da noite as meninas estavam na cabine de proa, desmaiadas. E eu aproveitando para consertar o CD player onde a Alice escondeu suas moedinhas (que ela troca por bolas numas maquininhas no centro. É ver uma moeda de um real e "a mina pira").

Às dez para meia noite eu tive uma ideia genial. Fui na cabine acordar a Pri, mas ela até roncava de tão profundo que estava o sono. Então eu pensei (afinal, por que homem casado resolve pensar?): "- Ela queria tanto abrir o espumante na virada... Putz! Vou abrir  para ela!". Peguei a garrafa na geladeira e fui para o convés, esperar os fogos. Na virada: plóft! A rolha saiu da garrafa e eu beberiquei um bocadinho. Mal sabia o que tinha feito... Meia noite e um uma escuna (outra, não a da mega festa) apitou forte. Em segundos lá vem a dona Patroa correndo, achando que um navio estava por nos abalroar. Quando a fera me viu com a garrafa deve ter visualizado umas duas loiras maravilhosas no meu colo, pois o pirajá que ela armou foi digno disso. Quem é casado conhece o discurso, pois elas são todas iguais nessas horas: "- Você é um egoísta! Por que não me esperou?" e aquele blá, blá, blá todo.  O salseiro foi tão grande que na manhã seguinte eu nem me senti tão culpado em ficar espiando, de leve, as mocinhas que faziam topless na lancha ao lado, pois já havia "apanhado" o suficiente!

01 de janeiro de 2013. Fomos para a praia do engenho e passamos o dia - lindo, de céu azul e sem nuvens - por lá. Mas não ventou e eu já sabia o que isso significava. Voltamos para a marina e passamos por um belo perrengue. Já na poita, ao desligar o motor a Priscila percebeu um barulho - forte - de água entrando no barco. Fui para a cabine e vi água entrando em jatos, próximo da escada de entrada. Abri a tampa do porão e levei um jato de água na cara. Salgada. As bombas não funcionavam. Enquanto tentava entender de onde vinha aquele aguaceiro, mandei as meninas chamarem o apoio da marina e sairem do barco. Daquele jeito ele iria para o fundo e se eu não conseguisse controlar o vazamento, ia soltar o Malagô da poita e encalha-lo. Foi tenso.

Pouco antes do apoio chegar matei a charada que quase me matou de susto: fui checar no painel elétrico se as bombas estavam ligadas. Estavam. Desliguei e a água parou. Pronto! Ia levar anos até o barco afundar: a bomba, na verdade, estava trabalhando o tempo todo. Só que parte da tubulação, que não estava presa com braçadeiras, se soltou. Nessa a água  ao invés de sair, voltava para o barco e o processo recomeçava. Ufa! Consertei tudo e tratei de colocar braçadeiras onde vi que precisava e aproveitei para dar uma revisada em tudo que foi registro.

Na madrugada a temperatura despencou quinze graus. Usamos até os sacos de dormir de tanto frio que fez. Entendi o recado. Ao invés de irmos para o Pouso da Cajaíba, começamos a empacotar as coisas e, no dia seguinte, depois uma viagem longa, muito longa (em que eu quase perdi o motor do jipe, pois um frentista em São Sebastião "esqueceu" de colocar a tampa do óleo de novo no lugar) ouvi a Alice dizer: "- Casa! Casa! Casa!

Já tivemos muitas "as melhores férias de nossas vidas". Dessa vez muitas vezes vezes nos pegamos pensando: "- Caraca, que vida boa a gente leva".  Esquecemos os zilhões de problemas que temos, conhecemos coisas novas, gente diferente e vivemos (não apenas sobrevivemos).

A primeira vez que vi o Malagô estava com nosso Rio 20, na Ilha da Cotia. Vi as filhas do Cesar brincando em volta do barco, cujas linhas sempre achei a coisa mais linda desse mundo e me lembro muito bem de ter pensado: "- Nossa, como deve ser bom ser milionário!". Mal sabia eu que eu já era rico, muito rico e  mal sei que hoje sou, sim, milionário. Mas sem um tostão no bolso!

E vamos no pano mesmo!

ET: não temos fotos pois entrou água no estanque e nossa querida Nikon faleceu.





segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Festa na Ilha da Cotia!

27 de dezembro. Dia de velejar. Passamos o dia para lá e para cá apenas com as velas levantadas, a partir da Ilha da Bexiga. O vento não estava forte, uns sete nós, quando muito. Andávamos a três, quatro nós. O Malagô orça muito bem, mas aderna bastante. No través é um sonho. No popa, com vento fraco, ele sofre um pouco. Precisa de mais vento e de mais pano. Armamos a asa de pombo com o pau de spi. 

No meio da tarde seguimos para a Cotia. Quando estávamos no Saco da Velha outro SW, mas este de "apenas" vinte e cinco nós. Liguei o motor e abaixei a mestra. Chegamos a sete nós, com o motor desengatado e a genoa aberta. Na entrada da Cotia cruzamos com o veleiro Planckton. Recolhi a genoa e engatei o motor.

Mais uma vez escolhi o lugar errado. Pouco abrigado e longe da praia. Eu sou mesmo uma besta...  mais um ponto no concurso de pior ancoragem! Eram 15h30.

Às 17h30 meu amigo Alan chegou com o Meltemi, vindo do Guarujá, de onde saiu dois dias antes.  Avistei para ele não parar perto de mim, pois o lugar era ruim. "- Ruim não, é péssimo!" - gritou ele, me enchendo de orgulho!


Como levantar a âncora não era mais um problema, esperamos ele fundear - num local excelente - e mudamos a ancoragem. Guincho? Nem pensamos nesse negócio supérfluo!

O Alan veio a bordo, batemos um papo e depois fomos cuidar da vida na enseada da paz universal, como diz o amigo Helio Solha. Soltei algumas iscas para ver se pesávamos alguma coisa além de algas. Comemos, rezamos e amamos. Choveu só um bocadinho.

No dia seguinte a Alice fez dois anos.  Nossa, como o tempo passa... outro dia eu a estava anunciando aqui no blog!

Preparamos uma festa linda para ela. Com presente, balões, bolo, brigadeiro e guaraná. Durante o dia muita gente veio de botinho pedir para conhecer o barco. Era no mínimo interessante ver o pessoal dos Benneteau, Delta e Fast da vida babar no nosso barco. Falou-se português, inglês e alemão a bordo. Aliás, eu parecia um índio germânico: "- Mein kleine Mädchen! Geburstag! Heute! Zwei jahrE", tendo sido  corrigido prontamente com a sutileza tedesca: "- Zwei jahreNNNNNNNNN?" Pois é, quis dar uma de bacana poliglota... Selbstnatüralich!




Passamos na peixaria e compramos pescadas e camarão para o almoço. Comprei muito camarão e foi difícil comer tudo de uma vez (o gelo havia acabado). Ano passado os preços estavam mais em conta. Esse ano a coisa estava para grã-fino ($$$). Como eu ando com muito pouco dinheiro a bordo, fiquei a zero.





Às 17h00 puxamos um parabéns e para nossa surpresa a Ilha da Cotia toda entrou no coro. Foi bonito! Foi bem legal!  Pena não ter bolo e brigadeiro para todos. Ano passado o parabéns foi na marina e todos os barcos ganharam eu pedaço. Até hoje eles lembram! Ok, ok, eu sou mesmo um pai babão.





No fim da noite peguei o botinho e fui atrás de sinal de celular - na Cotia não tem e essa é uma de suas virtudes. Eu queria a previsão do tempo, mas acabei recebendo um e-mail de trabalho que estragou um pouco as coisas. Um acordo que eu havia feito e que pagaria as contas de janeiro deu errado. Informei a conta errada na petição e a seguradora não faria o depósito se eu não enviasse uma petição assinada, digitalizada, aditando a petição do acordo. Meu Deus, como fazer isso ali? Ou mesmo em Paraty?  Pronto, fiquei com a cabeça meio lá, meio cá. Maldito capitalismo!

No dia seguinte voltamos para a marina. Rebocamos o Serelepe, do Edson, sua esposa e Mano - um beagle  que a Alice chama para brincar até hoje "- Mamo, Mamo!". Ele teve problemas com o motor de arranque e sem vento, só no reboque. Deixamos ele na porta da Marina do Engenho e fomos gentilmente presenteados com uma garrafa de espumante (dos bons!) que ainda ia dar o que falar nessa viagem. O destaque foi a Brida, que levou o Malagô por mais de quatro milhas - e bem levado!









ILha da Cotia - Paraty/RJ - Carta 1633
Coordenadas do fundeio: 23º13.58'8S / 44°38.51'3W
Distância de Paraty (Pier 46): 9,5 Milhas Náuticas.
Cuidados na navegação: Existe uma pedra há cerca de dois metros de profundidade entre a Ilha do Catimbau e o continente. Eu já passei por ali de Rio 20, mas de Atoll 23 eu já não arriscava (mas já vi gente apssar com barcos grandes). Passava entre a Ilha Comprida e o Catimbau de Atoll numa boa, mas de Malagô já passo por fora. A passagem entre a Ilha dos Cocos e a Ilha do Algodão não deve ser feita por conta de pedras. O Malagô cala 1,80m.





sábado, 5 de janeiro de 2013

Paraty, quarenta e dois nós!

26 de dezembro de 2012. Tarituba estava ótimo, mas percebemos que a Alice estava sem presente de aniversário! Depois do café da manhã - e de recolher a tralha do convés, de novo - voltamos para a cidade motorando por duas horas e meia. No caminho, golfinhos. Foi a primeira vez que a Pri os viu "para valer", mas eles estavam comendo e não quiseram saber de brincar na proa do barco. De qualquer sorte, como eles só se mostram para os puros de coração, a Almiranta já está no lucro!





Além do presente da Alice eu já começava a pensar no retorno para o Guarujá. O plano era sair de Paraty no dia 01 ou 02 e vir navegando, devagar. Primeiro iriamos até a praia do Pouso de Cajaíba. No dia seguinte atravessaríamos a Juatinga e a Ponta Negra e dormiríamos nas Couves ou em Picinguaba. De lá seguiríamos para a Ilha Anchieta, depois para o Saco da Capela, em Ilhabela e então para o Chinen. Acontece que eu não tinha cartas da Juatinga para cá (a não ser eletrônicas, mas eu já tive muita pane elétrica nesse caminho para confiar na eletrônica cegamente). Fomos de loja em loja, mas apenas as cartas da região estavam disponíveis e essas a gente tinha em papel. Só restava um lugar: a Regatta!

Lá fomos nós com o jipe para a Porto Imperial! Claro que eu só pensava no guincho!!!

Entrei na loja "todo macho", pronto para gastar sem dó! Achei as cartas que queria - primeiro assalto: R$ 70,00 cada uma (foram três!), quando na Mar Mattos aqui em Santos custam R$ 50,00. Depois a Pri achou um maiô para a Alice que é também colete. Ficou perfeito, mas a mãe pão dura logo percebeu que não duraria até o verão seguinte. Resultado? Levou um que vai durar até os seis anos... seria bom se a neném não tivesse ficado parecida com uma tartaruga ninja mutante! O trem é enorme e só se vê os olhinhos e as pontas dos membros superiores e inferiores para fora! Mas quando ela tiver seis anos vai ficar perfeito... sem falar no preço...

E  então que chegou a hora. Olhei para um canto e lá estavam eles: os guinchos! Um mais bonito que o outro, cromados, reluzentes! Pedi ajuda para o vendedor. Qual seria o melhor para o meu barco?! Eu ainda estava com cabeça de atoll 23... pobre de mim. Literalmente. Definido o modelo mais adequado, perguntei o preço. Com muita naturalidade o vendedor, super gentil, foi incisivo: "- R$ 5.789,56, à vista".

Meu pai do céu! Antes de viajar eu tinha olhado guinchos para o jipe e fiquei com dois mil reais na cabeça.  Estava preparado para muitas parcelas com esse valor como base. Mas aquilo não era nem de longe o que eu estava esperando. De repente olhei para meus braços e vi músculos crescerem! As roupas ficaram apertadas e eu parecia o Popeye! Olhei para a Pri e ela parecia a She-ra!!! "- Guincho é coisa de boiola! Eu e a Pri damos conta daquela âncora fácil, fácil!!!" 

Enfiei o rabinho entre as pernas e fomos para a cidade tomar sorvete e andar pelo centro histórico. Compramos o presente de aniversário da Alice e a tardinha voltamos para a marina, onde tomamos banho de chuveiro sem limitação de quantidade de água ou tempo.

A noite, depois do jantar, sentimos a brisa refrescar. O vento começou a uivar nos estais e a tempestade mais forte de todos os dias que passamos por lá entrou com tudo. Raios, muitos raios. A cidade ficou sem luz depois que vários transformadores explodiram. Dava para ver os clarões deles indo pelos ares. Era bonito, mas dava medo. O vento aumentou mais e percebi que não ia dar para continuarmos com os toldos. Vesti o casaco vermelho e fui lá fora recolher tudo. Quase cai do barco umas duas vezes, por conta do vento e do balanço. Passei um segundo cabo na poita e voltei para dentro do barco. Não havia mais o que fazer senão esperar. O vento bateu a casa dos quarenta e dois nós e eu não perderia a chance de fazer um post parafraseando o Paraty quarenta e dois graus do amigo Stark!

Fomos dormir.






Tarituba, uma grata surpresa.


25 de dezembro de 2012. Às 8h00 iniciamos a faina de recolher toldos e todas as milhões de coisas espalhadas pelo convés: biquínis  toalhas, baldinhos, pazinhas, bóias e uma infinidade de coisas úteis do universo feminino. Aliás, abrindo aqui um parênteses, tive certa dificuldade em explicar para as meninas que retranca não é cabide, que catracas não são porta bonés, chapéus, toalhas ou cangas e que manicacas não servem para abrir nozes - fecha o parênteses. 

Recolher a âncora dava certa preguiça de sair da pequena enseada. Eu mesmo cheguei a dizer para a Priscila: "- Aqui é tudo igual: mar esverdeado, uma prainha linda logo ali, peixes mordiscando os pés da gente e de quando em vez uma tartaruga ou um golfinho! Para que ficar indo para lá e para cá?!", ao que ela respondeu, provavelmente também pensando no peso da âncora (é ela quem a puxa!): "- Eu também pensei nisso!!!".

Abandonamos esse pensamento. Ligamos o motor e eu acelerei um bocadinho para a frente. A Pri foi lá para a proa puxar o cabo da âncora (sim, eu sou folgado!) Puxa, puxa, puxa e então ela simplesmente não vem mais.  Mas que sufoco! Lá vou eu ajudar. nada. Volto e dou um pouquinho mais de motor para ré. Nada. "- Por que não usei um arinque?", pensei."- Quando voltarmos  para a cidade vou comprar um guincho na Regatta" - delirei. Puxa daqui, de lá e sem ainda saber como ela saiu. Terminamos de puxar mas o tormento ainda não acabou:  o ferro caiu do suporte. E quem tinha forças para colocar aqueles quinze quilos no lugar ou começar tudo de novo? Nessa hora a ideia de ficar ali nunca pareceu tão sedutora...  Para ajudar as meninas - que ficam dentro da cabine sempre que estamos em "manobra" - começaram a ficar impacientes (leia-se: chamando pela mãe ou brincando de pequenas gladiadoras!) e eu cheguei a pensar que trabalhar dá menos trabalho do que tirar férias! 

Não dava para continuar daquele jeito e então eu e a Pri juntamos forças e colocamos o ferro no lugar. Ufa!

Era muito cedo e não tinha vento. Como todo final de tarde e início de noite vinha uma porranca daquelas, sem falar no maçarico (o sol) derretendo nossas cabeças, optei por velejar menos e motorar mais. Saiamos bem cedo, escolhíamos um lugar para ficar e de lá só saiamos no outro dia, bem cedinho. 

Fomos motorando devagar, curtindo a paisagem. Para a Alice, ao invés do colete (que eu continuo achando inútil quando o barco está navegando, pois o bebê simplesmente não pode cair no mar e o colete é uma assunção de que isto é uma possibilidade) usamos a "macaca", um "cinto de segurança bebezal". Em outro post falarei mais sobre isso.


Passamos pelas Ilhas Pelado e Peladinho, por São Gonçalo, pela Ilha do Breu, pela Ilha Comprida e chegamos em Taritruba, um Saco bem abrigado, com fundo de boa tença e muito boa infraestrutura. Procurei um lugar bom para o fundeio e, claro, parei a quilômetros da praia. Mas quem ia querer tirar a âncora de novo e reposicionar?! Além disso, tínhamos o botinho, era só remar até a praia! Viva o violão, que repousava em sua capa dentro de um paiol na proa enquanto meu 3.3 estava no cavalete, na garagem de casa.

O amigo Ricardo Stark já havia me dado a dica, mas Tarituba superou minhas expectativas mais otimistas. A vila é relativamente grande (na verdade, Tarituba é um bairro de Paraty), daquelas com igrejinha na beira da praia. Há pizzaria, restaurantes (alguns até aceitam cartão de débito e crédito), pousadas, posto de saúde, soverterias (plural), peixaria - onde se compra também gelo (filtrado) e uma venda, o Mercado Tarituba, na Rua Bulhões, onde se acha de tudo do básico a um preço bastante honesto. Até hoje dou risada da cara do dono quando viu que eu levei dez garrafões de cinco litros de água mineral, todo o seu estoque! Além disso na praia há chuveirinhos de água doce e na ponta do pier uma torneira onde se pode encher os tanques do barco.


A praia é de areia grossa (mais para o fundo é lama) e tem bastante vida. Porém, é claro que você olha para tantas casas e se pergunta para onde vai o esgoto de todas elas... mas os dois riachos que existem por lá logo dão uma dica. Pensar demais pode fazer mal à saúde!

Passamos o dia na praia, à sombra de uma árvore. Almoçamos no restaurante Peixe Maluco e voltamos para debaixo da nossa árvore, ao som da "rádio" do Marcelo´s Bar, um sujeito gente fina que irradia sua própria programação entre um cliente e outro. Nesse dia ele tocou Caetano o dia inteiro (por conta do passamento da dona Canô) e Beatles a noite toda (dava para ouvir do barco e eu pensei que o Paul tivesse também ido dessa para a melhor). 

No final da tarde limpei o fundo do Malagô, que já estava cheio de limo (a venenosa está no fim, ai meu saldo!), vimos um por do sol lindo e pescamos algas.







Antes de dormir, claro, começou a ventar mais forte e um barco de pesca estava próximo. Eu e minhas ancoragens perfeitas! Chamei a Priscila, que me olhou com ar de "-Temos mesmo que fazer isso" e lá fomos nós. Dessa vez, porém, a coisa começou a melhorar: quando a âncora travou ela teve a ideia de passar a corrente no cunho. Ai eu dei motor à ré e pronto, o ferro soltou. Ela então puxou o restante e só precisou da minha ajuda para colocar no suporte. Não chegou a ser fácil, mas também não foi difícil. E eu só pensava em ir na Regatta comprar o guincho...

Tarituba - Paraty/RJ - Carta 1633
Coordenadas do fundeio: 23º02.82'4S / 44°35.82'2W
Distância de Paraty (Pier 46): 12,5 Milhas Náuticas.
Cuidados na navegação: Pedras no canto esquerdo de quem entra no Saco Tarituba.
Estrutura: água, gelo e comida na Rua Bulhões!



sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Natal na Ilha do Cedro



Boas!

Chegamos na Ilha do Cedro às 15h00 do dia 23 de dezembro. Paramos na segunda enseada, que tem uma pequena praia voltada para as Ilhas Pelado e Peladinho e nenhum bar. Pelo que li nos e-mails da ABVC um dia antes o Bepaluhê andou por lá. Por pouco não nos encontramos no mundo real, finalmente. 

Nesse dia marquei meu primeiro ponto no concurso de "o pior local de ancoragem em uma pequena enseada'", campeonato que ao final ganhei com ampla vantagem. O Malagô tem um inércia que eu levei certo tempo para me habituar: você desliga o motor e ele simplesmente não pára até que se dê um pouco de ré. Isso me assustou um pouco no começo e muito por conta disso eu não me aproximava muito das praias. Nessa ancoragem no Cedro e na seguinte, em Tarituba, eu exagerei na dose.

Todos esses dias fez sol forte, com ceú azul sem nuvens e para pagar minha língua - pois sempre digo que em Paraty não venta - teve vento bom todos os dias. Em compensação toda noite era uma emoção. Chuva muito forte, vento muito forte - o pico foi de quarenta e dois nós no dia 26 de dezembro! - e raios que faziam o barco tremer. Eu a todo instante tranquilizava as meninas lembrando que o raio perigoso era aquele que não se tinha tempo nem de ver!  

Nossa primeira noite no Cedro foi assim. Lá pelas 20h00 o mundo caiu em água. A visibilidade caiu para zero. Soltei muito cabo e passamos a noite na pequena enseada em companhia de uma lancha e de uma pequena traineira. Acordava de hora em hora e adorei o fato de poder controlar a ancoragem sem ter que sair do barco!


No dia seguinte o sol se fez logo cedo e não fosse a sujeira na praia (trazida pela chuva) nem poderia se dizer que houve um dilúvio horas antes. Pegamos o botinho e remamos - na verdade, eu remei, praguejando pois no carro abarrotado de itens de primeira necessidade feminina ou vinha o violão, ou o motor de popa 3.3. Para a Priscila, é claro, o violão era muito mais importante...

Fomos para a praia e nadamos. O dono da lancha veio me perguntar sobre o barco, me contando que na infância sua família teve um Classe Brasil. Seria o primeiro de muitos que vieram conhecer o barco, contando histórias e revivendo lembranças de tempos idos. 

Logo depois ele e a traineira foram embora e ficamos apenas nós na minúscula enseada. Mantive a ancoragem, pois apesar de longe da praia ela se mostrou segura e começamos a preparar a ceia. Coisa simples, comida de casa, feita no forno  - luxo que o Cusco Baldoso não conheceu. Como todos vamos dormir cedo quando estamos embarcados, antecipamos um pouco as coisas e o Papai Noel desceu do mastro ainda com a luz do dia. Cantamos músicas de Natal, ceiamos e fomos felizes. 





A Priscila nunca gostou muito do Cedro. Da Ilha mesmo eu confesso que também não sou muito fã. Mas a visão que e tem do continente a partir dela sempre me fascinou: aquele pedaço de mata atlântica está do mesmo jeito há milênios e foi assim mesmo que os portugueses o viram quando chegaram por aqui! Que lugares hoje em dia mantém as mesmas características de antes, em especial no litoral do Sudeste?




No dia seguinte, com certa preguiça de levantar a âncora - ela é pesada e ainda não temos guincho - seguimos para Tarituba.



Ilha do Cedro - Paraty/RJ - Carta 1633
Coordenadas do fundeio: 23º04.10'8S / 44°38,38'7W
Distância de Paraty (Pier 46): 10 Milhas Náuticas.
Cuidados na navegação: Lajes  funda, rasa e da feiticeira - jamais fique no alinhamento entre a Ilha Rapada e a Ilha do Cedro. Afaste do continente e depois retome para o Cedro, numa derrota em "V"
Estrutura: Restaurantes (simples) que servem frutos do mar na beira da praia e que o governo federal  quer fechar porque barco é coisa de rico.

Sobre homens e veleiros...


Domingo, 23 de dezembro de 2012. Já estávamos no Malagô há dois dias, mas apenas na noite anterior saímos no motor e dormimos bem pertinho da marina, em uma Jurumirim estrelada e vazia. Ir só até ali e voltar é nossa especialidade e no começo pareceu ser a coisa mais sensata a fazer, pois precisávamos arrumar as coisas e conhecer o barco. Mas naquele dia  isso já não trazia mais conforto. Estar amarrado à poita não fazia mais sentido e havia uma angústia generalizada no ar, uma ânsia em partir. Pedi ajuda ao César para colocar o Malagô no cais da Pier 46 e com certa destreza ele facilmente fez sozinho o que para mim parecia impossível : colocou o barco na vaga. Jogamos o ferro à frente, demos ré e amarramos a popa  ao cais. Em poucos minutos ligamos as mangueiras e começamos a mandar quatrocentos litros de água para os tanques. Era só o que faltava. Era a hora. O César percebeu isso e meio sem jeito deu uma beijo nas meninas e desejou feliz natal. Depois me deu um abraço, desejou coisas boas e pulou para o cais. Disse mais algumas coisas, deu algumas dicas e começou a ir embora. Quando ele estava no meio do pier, eu gritei:

- Ei, não vai dar tchau para o Mala?

Ele se virou, olhou para o barco, voltou no tempo, reviveu "tempos"e foi embora. Não houve nem adeus, nem até logo...  Eu fiquei olhando até ele desaparecer, respirei fundo e perdi o olhar no vazio.

Comparar barcos a filhos é coisa que apenas quem não tem filhos faz. É uma comparação tola, pois nada se compara a um filho - nem mesmo a mãe da gente. Mas ainda assim a relação que desenvolvemos com nossos barcos é profunda e intensa.

Eu entendo o César. Já estive no lugar dele antes, ainda que no extremo oposto: se é verdade que às vezes um braco fica pequeno demais, não menos verdadeiro é que outras ele fica muito grande. Ainda assim, apesar de a escolha de venda ser um ato racional, como nesse caso foi, essa decisão envolve muito sentimento. O César e a família estavam em cada parte daquele barco e os quinze dias que passamos a bordo, domando a fera e nos conhecendo mutuamente serviram para começar a mudar isso. Imprimindo aos poucos o nosso jeito começamos novos tempos - mas com o mesmo capricho que encontramos. Pela primeira vez comprei um barco absolutamente bem conservado, onde só há o que ser melhorado e nada a ser reparado.

Assim que os tanques estavam cheios soltamos as amarras e partimos em direção à Ilha do Cedro. Abri apenas a genoa e em um través delicioso velejamos a cinco nós. O Malagô é meio desajeitado e lerdo no motor, mas quando vê um pano em cima, ganha vida e avança veloz e com elegância. 

Meu Deus, que barco!




* O título desse post é uma referência  ao livro homônimo de Ricardo Amatucci, que está indo até Florianópolis no seu Tangata Manu e que muito gentilmente nos levou um exemplar do seu sempre necessário jornal Almanáutica quando estávamos fundeados na Ilha da Cotia.