sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre homens e veleiros...


Domingo, 23 de dezembro de 2012. Já estávamos no Malagô há dois dias, mas apenas na noite anterior saímos no motor e dormimos bem pertinho da marina, em uma Jurumirim estrelada e vazia. Ir só até ali e voltar é nossa especialidade e no começo pareceu ser a coisa mais sensata a fazer, pois precisávamos arrumar as coisas e conhecer o barco. Mas naquele dia  isso já não trazia mais conforto. Estar amarrado à poita não fazia mais sentido e havia uma angústia generalizada no ar, uma ânsia em partir. Pedi ajuda ao César para colocar o Malagô no cais da Pier 46 e com certa destreza ele facilmente fez sozinho o que para mim parecia impossível : colocou o barco na vaga. Jogamos o ferro à frente, demos ré e amarramos a popa  ao cais. Em poucos minutos ligamos as mangueiras e começamos a mandar quatrocentos litros de água para os tanques. Era só o que faltava. Era a hora. O César percebeu isso e meio sem jeito deu uma beijo nas meninas e desejou feliz natal. Depois me deu um abraço, desejou coisas boas e pulou para o cais. Disse mais algumas coisas, deu algumas dicas e começou a ir embora. Quando ele estava no meio do pier, eu gritei:

- Ei, não vai dar tchau para o Mala?

Ele se virou, olhou para o barco, voltou no tempo, reviveu "tempos"e foi embora. Não houve nem adeus, nem até logo...  Eu fiquei olhando até ele desaparecer, respirei fundo e perdi o olhar no vazio.

Comparar barcos a filhos é coisa que apenas quem não tem filhos faz. É uma comparação tola, pois nada se compara a um filho - nem mesmo a mãe da gente. Mas ainda assim a relação que desenvolvemos com nossos barcos é profunda e intensa.

Eu entendo o César. Já estive no lugar dele antes, ainda que no extremo oposto: se é verdade que às vezes um braco fica pequeno demais, não menos verdadeiro é que outras ele fica muito grande. Ainda assim, apesar de a escolha de venda ser um ato racional, como nesse caso foi, essa decisão envolve muito sentimento. O César e a família estavam em cada parte daquele barco e os quinze dias que passamos a bordo, domando a fera e nos conhecendo mutuamente serviram para começar a mudar isso. Imprimindo aos poucos o nosso jeito começamos novos tempos - mas com o mesmo capricho que encontramos. Pela primeira vez comprei um barco absolutamente bem conservado, onde só há o que ser melhorado e nada a ser reparado.

Assim que os tanques estavam cheios soltamos as amarras e partimos em direção à Ilha do Cedro. Abri apenas a genoa e em um través delicioso velejamos a cinco nós. O Malagô é meio desajeitado e lerdo no motor, mas quando vê um pano em cima, ganha vida e avança veloz e com elegância. 

Meu Deus, que barco!




* O título desse post é uma referência  ao livro homônimo de Ricardo Amatucci, que está indo até Florianópolis no seu Tangata Manu e que muito gentilmente nos levou um exemplar do seu sempre necessário jornal Almanáutica quando estávamos fundeados na Ilha da Cotia.





3 comentários:

  1. Juca, deve ser um sentimento que só o Cesar poderia descrever...como um filho que casa, ou que vai morar longe, ou sei lá o quê....

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    1. Acho que o "sei lá o que" é o que melhor define essa situação... Ontem eu disse para o Cesar ao telefone, quando ele me disse que viu as fotos, que parecia que eu estava saindo com uma ex-mulher dele, rs. Demos risada!

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    2. 3 anos atrás , pesquisando dicas sobre como ir com um bebê a bordo, encontrei seu blog. Fui mostrar a meu sogro (o dono do veleiro) e ele deu uma fucadinha no blog e exclamou "o Malagô!!". Pegou o tablet e levou para sua irmã ver. Meu sogro tem 81 anos e sua irmã 74. Me contaram que muito tempo atrás, o Malagô havia sido o barco dela e de outro irmão, e velejaram pelo rio com ele.
      Me pergunto como chegou ao cesar, e vejo o carinho com que ficou com você.
      Sou nova nessa história de veleiros, mas acho tudo encantador

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