Está acabando, ufa!
Meu plano era sair de Ilhabela as 03h00. Mas a noite via facebook, fui lembrado que não conheço bem o canal de São Sebastião. O quintal da minha casa é outro e a noite e com os ventos da Ilha tudo é mais difícil. Abortei a missão. Sairíamos ao nascer do dia. Destino: Guarujá, Pier 26.
Foi nossa sorte. Não fosse essa alteração e provavelmente nosso destino teria sido outro, bem pior. E eu não falo do Guarujá, mas do fundo do mar.
Contei os segundos no relógio. Precisamente às 06h00 soltei o cabo da poita. Manobrei devagar e em poucos minutos estávamos no canal, indo para casa. Toquei até o Porto de São Sebastião e depois que cruzamos a balsa, abri a genoa. Ventava bastante, mais de dez nós, ora de proa, ora de través. Motor ligado para poupar baterias. Marolas grandes na popa. O leme, acostumado com anos de Ubatuba e Paraty, sofria ao receber um "mar de verdade" de novo. Quando tínhamos a laje dos moleques, pedi para o Ivan colocar o cinto. Subiríamos a mestra. Eu estava no leme e ele no mastro, preparando a vela. Foi ai que aconteceu. Senti um esforço mais forte no leme e plact: a roda começou a girar em falso, livre, leve e quase solta. Ainda tínhamos o leme, mas não tínhamos como controlá-lo. Um cabo de aço que faz o vai e vem do quadrante (peça que controla a relação leme x roda de leme) partiu.
Estivéssemos bem longe de terra e seria moleza: abaixaríamos os panos e faríamos o conserto. Esse é um ponto sempre complicado de explicar para quem não navega. Quanto mais perto de terra, mais perigoso é. E esse era o nosso caso. A costa estava logo, logo ali!
Gritei para o Ivan: "- Emergência". Ele, ainda sem saber qual, veio até o leme, se soltou do cinto e ficou de prontidão. O plact ocorreu às 07h15. "- Vamos enrolar essa genoa. Pode ser difícil com esse vento", disse para ele. Mas ela enrolou fácil. O barco então apontou para a terra, para a laje dos moleques, rumo direto. Dei ré no motor, que ainda estava ligado. Mas o barco continuava indo. Liguei o eco: 27 metros! Ancorar não seria a melhor opção. Mesmo se a ancora pegasse (duvido), jamais recolheríamos o cabo e a corrente naquelas condições. Só restava tentar a cana de emergência. Era preciso tirar um parafuso apertado, tirar o quadrante e instalar a cana. Com a ajuda do Ivan consegui isso em menos de dois minutos. Às 07h18 estávamos de novo no controle do barco. A laje estava a apenas poucas centenas de metros. Seria o fim. Ufa! E eu sei lá porque marco esses horários com tanta precisão...
Depois desse susto o Ivan caprichou no café da manhã. Minha boca estava seca. As mãos tremiam. Mas a coisa só funcionou porque mentalmente eu já tinha ensaiado mentalmente o que fazer caso aquilo acontecesse. E de tempos em tempos eu tenho essa neurose. Então, na hora, os passos foram meio que automáticos. Estar pronto...
Desisti de subir a mestra. Fomos no motor até passar a Ilha de Toque Toque. Céu azul. Mar mais calmo, pois os efeitos do canal de São Sebastião (que estrangula a maré e os ventos) já não eram sentidos. Mas levar o mala na cana era difícil. Ela está mais curta que o original e o leme fica muito pesado. Como disse o Ivan, na verdade ele mexe quando quer. Tocamos para o Montão de Trigo. Dei uns telefonemas e achei melhor seguir para o Chinen. Mudamos a rota para o canal de Bertioga (na verdade, era só continuar navegando no rumo verdadeiro 270º a viagem toda).
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No través de Maresias.
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No través de Boiçucanga resolvi levantar a mestra. Vento NE. Aproamos com terra. Mas as talas enroscaram no lazy-jack e virou um pandemônio. Baixei e ela saiu da guia, despencando no convés. Enrolei tudo do jeito que deu (e não foi bonito) e abortei. Sem a mestra, porém, com o mar de través o barco balançava muito. Um armário abriu e os pratos voaram. Três quebraram (são de acrílico). O plano era fundear no Montão de Trigo para por ordem na bagunça.
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No través de Boiçucanga. |
Chegamos na ilha ao meio dia, em ponto. Liguei o eco e... não lia a profundidade. Vai saber o que aconteceu... abortei o fundeio, pois a profundidade poderia ser entre 20 e 5 metros em uma área muito pequena. Paciência. Rumo 270º verdadeiro, a vida toda. Do Montão já dava para ver o morro que marca a entrada do canal.
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Montão de Trigo. |
Às 15h30 em ponto (essa viagem foi toda assim, as coisas sempre nas horas meias e cheias e em ponto!) fundeamos no Indaia, local que eu conheço bem. Arrumamos a casa e às 16h00 suspendemos (também em ponto). Às 17h00 (em ponto!) entramos no canal. O Ivan jogou no mar a oferenda para Netuno: doces de leite! Meia hora depois terminamos nossa travessia. Secos.
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Eu estava bem cheirosinho... |
O Malagô ficou no Chinen. De lá para cá eu já tomei bem mais do que um banho. O plano, agora, é subir na quinta-feira para o Pier 26, para começar os trabalhos. Estou muito mais tranquilo. Hoje o Mala está a apenas quarenta minutos de mim, e não a quatro horas. E por aqui existem lugares adequados para cuidar dele. Nesse momento o lugar do Mala é aqui.
E vamos no pano mesmo!