domingo, 25 de agosto de 2013

Impressões sobre o curso de navegação estimada...

Boas!

Esse final de semana (24/25) fizemos um curso de navegação estimada a bordo do Malagô.  O objetivo era simular algo que já aconteceu comigo mais de uma vez: ficar sem baterias ao largo da costa e "fazer" a navegação utilizando carta de papel, alidade, compasso e régua de paralelas. Em outro post, técnico, falarei um pouco sobre isso. Por agora gostaria apenas de relatar como foi nossa experiência e o que aprendemos. Ainda não digeri tudo o que aconteceu. Sei que cometi alguns erros, mas ainda não entendi todo o processo. Preciso de um pouco mais de tempo, ou de um segundo curso dessa natureza.

Vamos aos fatos.

Na tripulação os alunos Aruã Covo, Celso Antunes, Tiago Bittar e Thiago Bauermann. Com exceção do primeiro, que é café com leite (um dos primeiros alunos, ele já velejou comigo outras vezes, mas no Cusco Baldoso), todos eram habilitados. Celso é capitão e os demais mestres amadores. O Thiago Bauermann, a propósito, vive a bordo de seu veleiro no Saco da Ribeira, o "Obstinado".

Da esquerda para a direita: Aruá, Celso, Thiago e Tiago.

Nosso destino era a baía de Santos, distante vinte e cinco milhas náuticas. Pernoitaríamos no CING e retornaríamos no dia seguinte. Às 9h00 da manhã do dia 24 pusemos as cartas na mesa - as carta náuticas! - e começamos a estudar. Primeiro relembrando os fundamentos de navegação costeira e estimada: conversões de rumos de agulha para verdadeiro e vice versa; desvio de agulha; marcações magnéticas e marcações polares. Depois estudamos a carta 1711 procurando identificar perigos à navegação e traçamos nossa derrota base. Como velejando nem sempre se consegue ir em linha reta para um determinado ponto - mesmo que seja um waypoint -, traçamos uma distância de segurança que formou um perímetro em torno da Ilha de Santa Amaro (Guarujá). Ao mesmo tempo, teríamos pontos que orientavam as mudanças de rumo:  S,  SW, W e, ao final, N. Estudamos as previsões de tempo - que estavam conflitantes e incertas  (que vergonha, hein windguru?) e definimos uma estratégia para a travessia. Só faltava, então, combinar com os russos...

Soltamos da poita às 10h24. Maré vazando, muito forte - além do normal eu diria, porém é agosto e é assim que ela se comporta, em especial durante a lua cheia - e era lua cheia! Motoramos até a pedra do corvo, onde às 11h00 deixamos a navegação por rumos práticos e adotamos a estimada.

Para que o excercício fosse verdadeiro, coloquei a capa de proteção no GPS: ele registraria tudo, tal qual uma caixa preta, mas na prática estávamos por nossa própria conta, com um "dedo duro" nos "olhando"!

Ao escolher o plano vélico cometi o primeiro erro grave: impressionado com a presença de um SW, quando a previsão era de E, escolhi uma buja de trabalho ao invés da genoa. Imaginei que pegaríamos ventos muito fortes lá fora e queria o barco mais equilibrado. Fui muito conservador e pagaríamos o preço disso. Ainda no canal cometi o segundo erro grave: com receio desse "ventão", deixei para subir a mestra apenas quando já estivessemos em mar aberto. Temia que na barra estreita alguma rajada nos desse mais trabalho. Claro que sempre existe um terceiro erro grave: não considerei a previsão de mar alto, com ondas entre 2 e 3 metros.

Ao sairmos do canal me animei com a barra tranquila - pudera, pois a ondulação, com período de 14 segundos - era de S. Na barra do canal as ondas só crescem com ondulação de SE e E. Mas alegria de pobre dura pouco. E de quem tem receio demais, também. Ao sairmos da barra o mar mostrou seu tamanho. Bonito de ver! Grandes marolas, bem mais altas que a borda livre do Malagô. Quem estava no leme parava de falar e arregalava os olhos!!!

Tentei subir a mestra e encontrei meu quarto erro grave: não ter resolvido, ainda, os enroscos da valuma com os cabos do lazy jack. Para resumir muito uma história longa, não consegui subir a mestra sozinho. Seria preciso ajuda e eu não arriscaria a pedir para que ninguém, naquele mar e vento, se expusesse frente a retranca. Esperaria ganharmos mais mar para tentar de novo: todos com cinto de segurança e sem risco de ir dar nas pedras.

Só que com isso a navegação ficou horrível, pois sem a vela em cima o barco balançava além da conta. Na cabine tudo voava para um lado e para o outro, mas ainda assim conseguimos comer amendoins e beber refrigerante.

Abri a buja. Com o ventão que ia entrar coneguiríamos velejar só com ela. MAS... o vento não apenas não aumentou,  como diminuiu. Ficamos em uma situação complicada,  onde havia pouco vento e muito mar. Não gosto disso.

Seguíamos rumo S verdadeiro e começamos a fazer as marcações, uma a cada hora inteira e uma a cada hora meia. Dividi a turma em duplas, que se alternavam nas marcações: o erro de uma iria interfrir na da outro e o acerto também. Estávamos no mesmo barco e todos têm que ter a mesma dose de responsabilidade, sem competições internas.

Tiago e Aruã, plotando posições na carta...

... enquanto Thiago e Celso negociavam com as ondas.
Entre 11h00 e 12h00 avançamos cinco milhas, usando motor e buja. Nada mal diante daquelas condições. Porém, contudo, todavia e entretanto, logo depois do meio dia - quando a maré começou a encher com força, nossa alegria acabou. Estávamos no través da ponta do Iporanga e simplesmente não avançavamos mais para S. Tentamos SW. Encontramos o vento japonês - Nakara! - e com isso perdemos a ajuda da buja, que estolou. Derivávamos, de lado, para SE, o que percebemos apenas após três marcações com intervalos de trinta minutos cada.  A corrente era inacreditavelmente forte e o motor já estava sendo muito exigido, sem grande proveito. A coisa não estava com uma cara boa.

Tínhamos duas escolhas: ficar derivando para SE por mais seis horas, até novo estofo da maré e depois seguirmos, contando com a sorte de não sermos pegos por mais uma corrente forte como aquela no meio do caminho ou reformular os planos.

Eu não ia sacrificar mais meu barco, nem minha tripulação. Uma travessia de cinco horas poderia se transformar em quinze, sem a menor necessidade, sem proveito algum. Sem vergonha alguma abortei a travessia.

Após fazermos a volta nossa vida mudou completamente. O barco voava, só de buja de trabalho! Em uma hora navegamos quase que o dobro do que havíamos navegado em duas horas e meia, e sem bater em muro algum! Se nosso destino fosse Ilhabela, teria sido uma travessia maravilhosamente rápida! Mas não era. Voltamos para casa e tratamos de tirar as lições do que ocorreu.

Rumo novo, vida nova.

A buja de trabalho, com forras de rizo para se transformar em uma vela de tempestade, se preciso for.

Muita gente - mas muita gente mesmo - torce o nariz quando se fala em navegar à moda antiga. E nem me refiro ao sextante, cuja utilização requer um emaranhado de minúcias que talvez seja incompatível com nosso mundo atual (onde tudo é imediato) e com a tão difundida push a button navigation. Existem muitos mestres amadores por ai. Mas ouso dizer que muitos fizeram navegação estimada apenas na preparação para a prova.  

Duas coisas eu gostaria de dizer a esses críticos. A primeira é que fazer as visadas, ainda mais quando não se está familiarizado com o local (como era o caso de meus alunos) não é algo tão simples quanto parece. O mundo é diferente do que está no livro. Esse tipo de navegação exige técnica, bons equipamentos e muita, mas muita prática! A segunda é que esse método funciona.

Ao chegarmos na poita, às 16h40 (e depois de um belo almoço), analisamos os dados do GPS e verificamos as posições que o aparelho nos indicava no horário das marcações visuais. A grosso modo houve erros. Alguns de pouca relevância, outros mais significativos.

Nossa estimativa de longitude foi bastante precisa; já a de latidude, nem tanto e eu confesso que ainda não entendo o motivo. No momento credito isso a dificuldade de tomada das visadas, agravada pela falta de prática e pelo mar mexido. Mas ainda assim o padrão foi muito constante para ter sido mero acaso. Houve algum erro. A questão é: onde?

Algo que me deixou especialmente contente foi que a impressão de que estávamos com progresso quase nulo a vante a partir da ponta do Iporanga e que estávamos derivando fortemente para SE se confirmou. Ou seja, com base apenas na estimada identificamos com precisão que situação enfrentávamos e tomamos uma DECISÃO com base nessa informação, decisão essa que entendi ser a CORRETA diante da situação e que seria a mesma que tomaria se a navegação fosse eletrônica.


O GPS apenas nos contou ...
... aquilo que já sabíamos, sem ele.

Peço desculpas pelo post longo e agradeço a todos que passeiam por essas águas e em especial aos amigos Aruã Covo, Celso Antunes, Tiago Bittar e Thiago Bauermann, que participaram da atividade com extremo afinco, seriedade e comprometimento - mas sem perder o bom humor!

E vamos de alidade mesmo!


11 comentários:

  1. Eu é que agradeço a oportunidade de fazer o curso! Apesar de termos abortado a travessia, a aula inicial e o tempo que praticamos já ensinaram bastante coisa. A própria decisão de abortar teve seu lado didático, já que exemplificou uma situação e condição de mar e tempo em que é preciso pensar seriamente se vale a pena continuar, e frisou a necessidade de estar constantemente marcando a posição na carta. Sem isso demoraríamos muito mais para perceber que não estávamos avançando.

    Sobre colocar a buja de trabalho ao invés da genoa, na minha opinião não foi erro. Se há a possibilidade de vento forte, é mais prudente sair com menos pano do que com pano demais. Ainda mais considerando que estávamos em um local abrigado e não dava para ter certeza de como estaria o vento após sair do canal.

    Quanto ao erro nas coordenadas, a única explicação que consegui imaginar é que usamos a declinação magnética da própria rosa dos ventos da carta, de 2010, ao invés de usarmos o valor atualizado pra 2013. Dá uma diferença de 21 minutos porém, não sei se é suficiente para justificar a discrepância.

    Thiago.

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    1. Thiago, é verdade. Passado agum tmpo o amarguinho de não ter conseguido passou e ficaram as lições e as amizades que fizemos. Bons ventos, sempre!

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  2. Muito bom o post. Demonstra que na hora "h" vale rever nossos conhecimentos de estimada "analogica". Relato verdadeiro e que traz muitos ensinamentos.

    Saulo

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    1. Obrigado, Saulo! Dizem que mar tranquilo nao faz bom marinheiro... e é verdade!

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  3. Fala Juca! Muito bons estes posts... Parabéns!
    Agora me diga uma coisa... Esta tal de alidade...
    Onde posso encontrar? Eu andei vendo alguma coisa na internet e só fiquei confuso... passa pra gente algumas dicas sobre o que seria um bom "custo-benefício"...
    Abçs!

    Luiz

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    1. Malito, Comandante do bravo Clipper! Eu farei um post sobre isso em breve. Fique atento!!!

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  4. É em condição assim que se tira muito para aprender, se fosse tudo conforme o esperado as conclusões e as provações não viriam a tona. Muito bom! Não vejo a hora de estar fazendo curso com vocês.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Ótimo post Juca!
    Assino embaixo o que o Thiago "Obstinado" comentou.... Acredito que as condições de tempo e mar e as decisões tomadadas em função delas foram um aprendizado em si.... Aliado a isso, conseguimos aplicar os conceitos de navegação estimada conforme proposto.
    Só fiquei com uma dúvida: no post vc comenta que "Nossa estimativa de longitude foi bastante precisa; já a de latidude, nem tanto", mas minha recordação era que tinha sido o inverso: com estimativas de latitude precisas e longitude nem tanto.
    Bem, independente de qualquer coisa, foi um prazer participar do curso e espero estar a bordo do "Mala" novamente em breve.
    Um abraço e bons ventos.

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    1. Tiago, eu ralmente me equivoquei no texto e obrigado pela correção! Vejo vc no Malagô em breve!

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