quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O mais longo dos dias - parte II


Ao chegarmos nas Ilhas o churrasco ainda não estava pronto, mas estava em vias de. Contraternizamos com as tripulações do Jazz IV, Meltemi, Easygoing, Grazina e Gaudério. Após umas duas horas deixei os meninos em terra se divertindo e fui ver  motor do Malagô. Mergulhei e limpei a admissão da água salgada. Estava um pouco suja, mas não obstruída. Depois desmontei a bomba d´água e troquei o rotor.O antigo estava perfeito. Verifiquei o óleo e estava tudo perfeito. Mas a água do radiador estava baixa. Procurei vazamentos, mas  só encontrei algum pela tampa. Improvisei uma vedação, mas não resolvia. Ainda assim a água que pingava era muito inferior a água perdida e nenhum grande vazamento era encontrado... Estavamos no pano mesmo. 

Logo uma ameaça de chuva surgiu no horizonte e as tripulações voltaram para seus barcos. O plano era ficarmos ali até a manhã seguinte. Enquanto o Ivan preparava um  almoço daqueles, ligamos para o Ricardo para tirar um sarro sobre o que ele estava perdendo. Ele não atendeu. Foi então que consultei a previsão do tempo...

Para o domingo a previsão era de poucos ventos, de quadrante sul e mar baixo. Mas na tarde do sábado havia a indicação da entrada de uma frente fria logo ao amanhecer do domingo, com ventos de SW na casa dos 20 nós na rajada. Considerando que o windguru sempre erra para menos, podia-se esperar problemas por vir.

Apesar da beleza do lugar alguns fatores o tornam inseguro para enfrentar uma tempestade. O primeiro e mais óbvio é que as Ilhas ficam muito próximas do continente e, para um barco em mau tempo, quanto mais próximo de terra mais perigoso é. O segundo é que o local é muito raso: lançamos ferro em três metros e meio! O terceiro é que a geografia dos morros forma um venturi, que intensifica o vento que entra. Vinte nós se transformam em quarenta muito facilmente. O quarto e último é que  estavamos de cara para o SW, como um amigo meu ficou um dia desses na praia do Soares, em Ubatuba. Não é, Walnei?

O Volnys, comodoro do passeio e VP da ABVC Santos veio a bordo e começamos discutir o que fazer. Não havia muitas opções. Deveríamos antecipar a partida para as19h30 daquele mesmo dia e  tentar chegar em Santos antes da entrada da frente.

Imediatamente eu entendi o que isso significava para nós, do Malagô. Sem motor, muito provavelmente pegariamos e entrada da frente bem de frente. Fiquei mudo e muito concentrado. Estabeleci que deveríamos tentar chegar no Indaiá antes e lá preparar um fundeio especial. Não é lugar mais abrigado do mundo, mas já enfrentei entrada de SW lá  sabia que se o fundeio fosse bem feito, o barco aguentaria. O Volnys chamou um a um no rádio para confirmar a intenção de partida às19h30. Na nossa vez, respondi apenas: "- Estaremos prontos".

Rizei a mestra na primeira forra. Olhei para a genoa, uma 120 de tecido leve. Pensei em trocar pela buja de trabalho, mais pesada emais adequada para o ventão. Porém estavamos em calmaria (mar espelhado) e precisavamos aproveitar cada ventinho leve que entrasse. Com a buja de trabalho isso seria impossível, pois ela não armaria e, mesmo que armasse, pegaria pouco vento. Seguimos com aquela mesma. Apertei manilhas, chequei cupilhas, preparei cabos solteiros, fechei gauitas e vigias.

Às 19h30 avisei o Volnys no rádio: "- Estamos indo. Não sabemos o estado do motor e eu prefiro enfrentar o vento boiando lá fora do que aqui, ainda mais sem vocês. Bons ventos para todos nós!".

Liguei o motor e seguimos. Ele estava frio, mas gradativamente foi esquentando, até que duas milhas depois, ferveu. Desliguei e olhei em volta.  Estrelas no céu, lua cheia, o Montão de Trigo no través, silencioso. Pelo menos já estavamos fora do baixio grande, um local em que não é bom se estar nas proximidades da Ilha das Couves.

O Easygoing passou por nós e a Célia nos encorajou. "- Vamos treinar para a Santos Rio" - brinquei tentando disfarçar. O Meltemi nos chamou no radio e nos ofereceu reboque. Mas rebocar um barco como o Malagô, com onze toneladas, por mais de quarenta milhas era inviável. Sei que o Alan estava preocupado com a gente, mas se eu aceitasse iria apenas colocar outro barco no meio do perrengue. Ele entendeu, mas senti que ficou com o coração na mão. O Gaudério nos chamou no radio e desejou boa sorte de forma muito gentil.

Tempos depois o Grazina passou e desejou que todos que enjoaram no dia anterior, enjoassem ainda mais... Pois é, o ser humano e sua grandeza interior. Mas interpretei isso como um "quebre uma perna" do teatro e seguimos em frente.  Quer dizer, boiamos. O vento morreu. As luzes de navegação dos outros barcos sumiam uma a uma no horizonte. Em pouco tempo estavamos por nossa própria conta.

Estabelecemos turnos. Comecei eu e o Ivan no convés e os outros foram dormir o máximo que poderiam. O Ivan disse: "- Primeira vez que velejo a noite". "- É bonito, não é?" - respondi. "- Tomara que seja a única coisa que você vê pela primeira vez esta noite" - emendei depois de uma pequena pausa.

O motor esfriava e nós completavamos o radiador. Na cabine apenas leds vermelhos acessos. Avançavamos duas ou três milhas na calmaria e desligavamos o motor fervente. Uma brisinha entrava aqui e ali e as aproveitavamos ao máximo. Foi assim até a meia noite, quando o Cassio acordou e me rendeu no leme. Eu não ia aceitar, mas achava que também precisava descansar,pois não sabiamos o que aconteceria e já estavamos ali há quatro horas e meia. 

O Ivan foi rendido pelo Rodrigo. É claro que eu não consegui dormir.Apenas fiquei parado, sem mexer um único músculo no beliche da cabine central. O Ivan ao meu lado, no outro beliche e o André na cabine de proa.Um ventinho entrou de sul, fraquinho. Começamos a velejar.

A 01h00 a retranca começou a reclamar.Fui lá fora e olhei para o horizonte. O céu a nossa frente, que antes estava claro e estrelado, trazia apenas um bloco de nuvens negras, em forma de charuto. Dei umas quatro ou cinco voltas na genoa e a deixei bem achatada. O vento entrou.

Continua...  









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