terça-feira, 23 de maio de 2017

A volta ao mundo de veleiro...

Boas,

era uma quarta-feira de sol e eu estava a bordo do Malagô, arrumando umas coisas (sempre), quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, uma moça, um pouco aflita:

- Alô, é da Cusco Baldoso?
- Sim!
- Vocês ensinam a velejar, certo?
- Isso mesmo!
- Eu, meu marido e meu filho precisamos aprender a velejar este final de semana, de qualquer jeito...

Houve um breve silêncio e, após alguma explicação, dois dias depois, a família da Ana Paula estava toda a bordo do Soneca, em Ubatuba, fazendo aula com o Tio Spinelli. Na semana seguinte, pelo Facebook, eu acompanhava a liquidação de objetos pessoais. Da televisão aos livros. Alguns dias depois eles embarcaram, para os EUA, compraram um Benneteau e começaram sua nova vida. Em janeiro, quando estive na Florida, eles haviam deixado Cabo Canaveral há poucos dias e estavam nos Keys. Eu ia até lá encontrá-los, mas um tornado inviabilizou a visita: eu no hotel e eles, ancorados à galga, enfrentando o ventão em sua nova casa. Hoje eles estão em Cuba, aprendendo dia a dia, e vivendo.

A capitã Ana Paula, a bordo do Coragem - foto do Facebook.
A Ana Paula e o Mazinho, seu marido, seu filho e o valente yorkshire que adora mergulhar foram nossos primeiros alunos que efetivamente se lançaram na volta ao mundo de veleiro. Na bolsa de apostas a expectativa não era lá das melhores em favor do sucesso. Ainda assim, o pouco que já foi feito até agora, já é muito mais do que muitos de nós fará um dia.

Dois anos depois, hoje, às 05h50 da manhã, no grupo Flotilha Caiçara, recebemos uma mensagem do Beto e da Thais, do veleiro Shogun: "Estamos prontos".  Eu senti um frio na barriga danado, e olha que eu estava embaixo dos lençóis. Às 07h39 veio o tão esperado "Passando a Moela". Santos ficava para trás. 


Essa, porém, não era uma simples travessia até Ilhabela. Era mais uma volta ao mundo, que começava a bordo de um Peterson 33 pés. O Beto e a Thais passaram o carnaval de 2016 a bordo do Soneca fazendo em sequência os cursos básico e avançado. Agora, pouco mais de um ano depois, seguem para Ubatuba, a bordo de seu próprio barco, tomando as rédeas de suas próprias vidas, longe do sofá e do Discovey Channel. E com eles o Google, seu intrépido cão da raça golden.

                                          (c)  UOL

E não acaba ai. Mês passado um outro casal trocou de barco, após passar um ano aprendendo o que podiam em um valente Atoll 23 e, no começo do ano que vem, devem deixar Ubatuba e seguir esses mesmos passos. Quantos outros não estão por vir, me pergunto?

Eu digo sempre isso: a vela é sensacional pois ela permite que qualquer pessoa faça as mesmas coisas que lê seus heróis fazendo nos livros. Assim como o Klink, você pode dormir em uma Jurumirim enluarada; assim como o Cabinho, pode se ver na polinésia ou curtir o caribe adoidado como o Helio Setti Jr. A vela lhe proporciona isso exatamente isso, poder escrever seu próprio livro e ser o protagonista de sua vida.

Para acompanhar a viagem da Ana Paula e sua família (notem que a capitã é ela!) curta no Facebook a página deles.

Já o Beto e a Thais têm um canal no youtube, o Sailing Around the World. Inscreva-se já!

E você, não quer ser o próximo?!

E vamos no pano mesmo!

quarta-feira, 17 de maio de 2017

De Ubatuba a Santos...

Boas!

É incrível como o mar pode estar em diferentes estados com apenas poucos dias de diferença. Se nós nos curássemos de nossos dores tão rápido quanto ele, talvez fôssemos mais felizes. Depois da forte ressaca que entrou no dia vinte e oito de abril, naquela segunda-feira, primeiro de maio, o mar estava tranquilo e sem vestígios de tormenta. Tudo na vida passa; até a uva, a tempestade e a calmaria...

Iríamos participar da última regata do dia e depois ir embora para Santos, por volta de 19h. Mas... regata? Fala sério. Fomos apenas para passear e nossa presença na raia, de certa forma, era uma ofensa aos que velejavam a sério, com faca nos dentes. 

Aproveitei a manhã para visitar o Eduardo , do Erva Doce (Bavaria 33) e o Marcelo, do Fratelli (Delta 36), que chegaram na noite anterior (enquanto estávamos na Ilha Vitória). Ao meio dia, saímos.



Isso me lembrou uma vez que viemos de Paraty a bordo do Cusco Baldoso, eu e o Ricardo Stark. Perguntei se ele preferia velejar por oito horas ou motorar por quatro... Velejamos do Saco da Ribeira até a Ilhabela, até anoitecer, a dois nós.



Dessa vez foi quase isso. Desligamos o motor antes do Mar Virado. O vento entrou e tocamos bem devagar. Deu até tempo de cozinhar um macarrão, que sob a chama fraca do fogão do jazz levou apenas umas cinco horas para ficar pronto - mas ficou delicioso! Tudo indicava que seria uma travessia lenta. Mas a medida que as horas passavam, o vento só fazia aumentar, entrando de sul e nos permitindo velejar de través  até a Vila, na Ilhabela, com o barco atingindo picos de oito nós de velocidade e média de seis.


Dividi o leme com o Rafael, que naquele mar tapetinho não enjoou - conseguiu até almoçar dentro da cabine e tirar um cochilo, sem baterias incendiárias. Esse era um fantasma a ser exorcizado. E por falar em fantasmas, eu também tinha lá os meus. Há oito anos eu estava nesse mesmo trecho, nesse mesmo primeiro de maio, trazendo o Rio 20 Cusco Baldoso de Paraty para Santos, com apenas uma escala. Foi uma travessia muito difícil, pois fiz tudo errado. Mas ao término dessa torturante jornada soube que a Alice, minha filha mais nova, estava chegando nesse mundo. Tanto depois depois eu estava, nesse mesmo dia, a bordo de um veleiro e na mesma travessia, em mais uma transição na vida. Perdia uma parte importante de mim por um lado, e de outro descobria que sempre há novos caminhos para trilhar - porque para ser feliz é preciso coragem. A família que deixei em Santos na ida, não seria a mesma da volta, nem eu teria nela o mesmo lugar. Mas, assim como o mar, as tempestades da vida também se acalmam uma hora ou outra, em seu devido tempo.O importante é não descuidar da navegação e ajustar as velas, sempre.



A Ilhabela abrigou o vento sul, que morreu. Ligamos o motor. O diário de bordo registra que às 16h47 acertamos um tronco semi submerso, mas sem danos. Como sempre faço, pouco antes do pôr do sol rizamos a mestra na primeira forra.  Às 18h30 o vento voltou, de leste, o que nos permitiu voltar em asa de pombo até a Ilha da Moela (que o Rafael insistia em atravessar pelo meio, já tomado pelo sono). Chegamos no clube às 02h, tendo deixado a oferenda para Netuno (chocolate) na entrada da Fortaleza da Barra. Depois disso, nesse mesmo dia, fui jantar com a Alice - a única que tem a maturidade necessária para entender minhas decisões.



E vamos no pano mesmo!

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Ilha Vitória por Boreste...

Boas!

Esse ano eu estou com o projeto de visitar todas as "pedras" do litoral de São Paulo. Há muitas delas por ai: Laje de Santos, Laje da Conceição, Queimada Grande, Queimada Pequena, Bom Abrigo, Búzios, Vitória, e por ai vai. A Laje de Santos já foi. Agora era a vez da Vitória.



Pela Ilha Vitória eu já passei algumas vezes, mas sempre bem por fora, indo ou voltando do Rio de Janeiro. Nossa passagem pelo USF 17 possibilitou um momento mais "National Geographic Society". 

A regata do dia seria novamente de percurso. Trocamos a genoa do Jazz 4 de III, para a II, para ver se ele andava mais um bocadinho. Além disso vieram mais dois tripulantes de Guarujá, para reforçar o time que ficou um pouco desfalcado com tanto enjoo.



Dada a largada, foi um quase milagre conseguirmos passar pela linha. Fazer regata com barco preparado para cruzeiro é um quase martírio. O barco simplesmente fica para trás. Barco de regata tem que estar leve, com tanque de água vazio, nada nos armários, alguns cup noodles para a tripulação fingir que comeu algo e se possível todos de diurético tomado. O Jazz, apesar de ser um projeto de regata, tem tantas sobressalentes a bordo que dava para construir um novo barco. Tinha que ser assim pois o Volnys andava mil milhas para lá e para cá como quem ia fazer a feira de domingo. Escolhas. Nós mesmos, se não tivéssemos levado uma bateria sobressalente, teríamos ficado às cegas, como no século XVI.



O céu estava azul e sem nuvens. Lindo de viver. E havia vento. Pouco, mas suficiente. Por volta de 15h começamos o contorno da Ilha da Vitória e conhecemos cada marisco dos rochedos. Peguei uns dois ou três telefones de gaivotas e prometi ligar ou aparecer qualquer dia desses. Contornar a ilha virou sinônimo de seguir, a cada metro, seu traçado geográfico. A trilha do GPS virou um mapa insular perfeito, quase em 3D. Acho que a ideia da regata não era bem essa...





De toda forma, ao anoitecer, faltava apenas voltar umas doze milhas para terra. Havíamos montado a tal ilha. O vento, porém, se foi. 

"- A votação será aberta ou secreta?" - perguntei. 

De lá de dentro uma voz disse: "- Liga o motooooooor".

Foi por aclamação.

Botão acionado, motor girando (não contem para o Spinelli), voltamos para a poita seguindo o rastro da lua no mar.

E vamos no pano mesmo!!!


quinta-feira, 11 de maio de 2017

Duelo Soneca x Jazz 4...

Nosso primeiro dia de regatas do USF/17 durou meia hora. Sequer largamos. Uma das tripulantes que veio de São Paulo direto para Ubatuba apenas para as regatas passou mal com o mar de ondas e pouco vento. Enjoar é algo cruel. Nos primeiros cinco minutos você se desespera, acreditando que irá morrer; cinco minutos depois está desesperado porque não morreu.

Como estávamos ali apenas para passear, voltamos para a poita e desembarcamos quem não tinha condições de ficar a bordo. Depois fizemos o almoço, curtindo o visual da Ribeira em um espetacular dia de sol, enquanto a regata acontecia lá pelos lados da Ilha do Mar Virado.


De sobremesa  fomos velejar. Saímos da poita apenas no vento, enquanto a louça era lavada, e fomos até o Soneca, onde o Tio Spinelli dava aula para quatro de nossos alunos, fazendo o barco andar sob espartanos quatro nós de vento.



Passamos por ele, demos "oi" e castanhas de caju. Seguimos pela baia, acreditando que o Soneca, por ser mais pesado, jamais nos alcançaria. Conversamos entre um bordo e outro, até que ouvimos um barulhinho de água sendo cortada pela proa de um veleiro se aproximando... Era o Soneca, andando sabe-se lá como, direto ao nosso encalço.

- Você só vai para a poita as 21h! - disse o Spinelli, sem parecer estar brincando.


Depois disso ele se pôs a bloquear nossa passagem, dando bordos em cima da gente o tempo todo. Dava para pentear o cabelo com a âncora do Soneca, mas os barcos não se tocaram nem por um instante. Ligar o motor seria contra o código de ética. Então o jeito foi administrar o bloqueio enquanto deu. Foi lindo ver o controle que o Tio tem do barco. Coisa que só quem veleja seis dias por semana consegue. E deu muito trabalho ficar longe dele. Chega a ser irritante como o Tio consegue regular tão bem aquelas velas...


Ficamos bloqueados até que uma rajada mais forte entrou, mais de uma hora e duas toneladas de risadas depois. Ai não teve jeito: abrimos distância e conseguimos voltar para a poita ante das 21h. Ufa! Foi pura sorte.



Enquanto isso o Marcelo, a bordo do Fratelli e o Eduardo, no Erva Doce, se preparavam para também vir de Santos para a Ribeira, em condições de mar melhores do que nós enfrentamos.

E vamos no pano mesmo!

quarta-feira, 10 de maio de 2017

De Santos à Ubatuba...

Boas!

Eram cinco da manhã de 28/04. Estávamos a bordo do Jazz 4, em três tripulantes, indo participar do Ubatuba Sailing Festival 2017, que começaria naquele mesmo dia, à noite. Saímos sob aviso de ressaca, que iria de Santos até cabo Frio, com ondas de três metros e duração de dois dias. Ao deixarmos o clube conseguíamos ver bem claramente as luzes da cidade e  das boias de sinalização do canal do porto: ora as verdes, ora as encarnadas. "A ressaca ainda não chegou por aqui", pensei.

Na altura da Ilha das Palmas, no motor, duas lanchas de grande porte passaram a nosso boreste, em alta velocidade. "O mar está baixo", pensei. Ledo engano. Poucos minutos depois percebi que elas pararam na entrada da baía, lá pela Ponta Grossa. Glup!

Não demorou muito. A linha de navios e suas luzes amarelas logo sumiu no horizonte. Poucos segundos depois ela veio. Descomunal. De proa. Não parava de crescer e lá no topo trazia uma espuma branca ameaçadora. Em pouco tempo o valente Jazz  4 subiu a onda e após ter dado uma leve ré,  despencou do alto dos três metros da massa de água. Ufa? Nada. Ainda tivemos mais três dessas.

Pensei em voltar, é claro. Mas a ideia de surfar aquelas ondas não era lá muito convidativa. Sabia que após a saída da baía elas nos pegariam de alheta e até ajudariam a seguir adiante. O problema era passar da Ilha da Moela. Mestra no primeiro rizo, por cautela. Genoa III .Vento de SW, 15 nós. 


O mar seguiu muito desencontrado até depois da Moela, pois a onda que vinha do mar batia no costão rochoso e voltava. Não demorou muito e perdi um dos tripulantes para o enjoo.  Seria uma viagem longa, ainda mais sem piloto?

Teria tudo para ser, mas a forte corrente cuidou para que não fosse. Fizemos de Santos até Ilhabela em apenas seis horas, no pano mesmo. O normal seria entre oito e dez. O Jazz surfava a dez nós. Era surreal e delicioso. Além disso o enjoado ficava bem apenas quando estava no leme... sorte minha e dele.

Na altura do Montão de Trigo tivemos o único incidente sério da viagem: deitei para descansar um pouco e senti o colchonete quente. Coloquei a mão no casco e ele estava em brasa. Levantei o colchão e ao abrir o paineiro encontrei uma das baterias fervendo, cuspindo vapor como uma panela de pressão. Lá em casa, nessa mesma hora, a Alice acordava de um pesadelo, dizendo: "Sinto que uma coisa muito ruim vai acontecer". Coincidência?


Desliguei a chave Perko dessa bateria e desconectei os cabos, com algum custo, pois estava muito quente - os fios também. Avisei para a tripulação o que estava acontecendo, e ouvi duas sugestões no mínimo curiosas: "- Então vem aqui para fora" e "- Vá dormir um pouco!". Pérolas devidamente registradas no diário de bordo.

Por certo ignorei conselhos técnicos tão relevantes e monitorei a bateria de perto. O vapor logo deixou de ser expelido. Assim que deu a coloquei, com algum tanto de esforço e outro tanto de receio, para fora da cabine e depois de uma hora ela finalmente esfriou. Por sorte éramos regateiros atípicos, pois ao invés de aliviarmos o barco, tratamos de enchê-lo com mais pesos, incluindo uma bateria extra. Graças a isso não perdemos a geladeira e os eletrônicos. As regatas eram apenas uma desculpa para ir até Ubatuba.


Após a Ilhabela o vento e as ondas foram embora. Chegamos no motor, após onze horas de travessia. Meu recorde absoluto para essas oitenta e duas milhas náuticas. Todos bem. Amarramos o jazz na poita do Malagô e mais uma vez eu estava em meu metro cúbico no oceano Atlântico, meu pedacinho de paraíso.


E vamos no pano mesmo!